O último review do ano. Deixei o novo disco do Luan por último porque, desde que tive a oportunidade de assistí-lo na ocasião do lançamento, já imaginava que provavelmente não haveria nenhum disco a batê-lo em termos de qualidade. Desde o DVD “O nosso tempo é hoje”, Luan Santana se tornou o nome a ser batido em musicalidade, sonoridade e evolução. Enquanto os demais artistas do mercado se degladiam o tempo todo em busca da música mais comercial, entregando todos os dias centenas e centenas de músicas que mais soam como cópias umas das outras, Luan Santana se supera mais uma vez e entrega o seu disco mais maduro até hoje, e um dos álbuns sertanejos mais bem produzidos e mais completos com relação aos detalhes.
O grande problema desse excesso de qualidade dos trabalhos do Luan é que, cada vez mais, tentam dissociá-lo do gênero sertanejo. Uma parte considerável do público e dos formadores de opinião acham que um disco excessivamente bem feito não pode ser considerado sertanejo apenas por ser excessivamente bem feito. É como se a qualidade não pudesse fazer parte do nosso gênero. Como se houvesse um limite com o qual a música sertaneja se permitisse trabalhar e, caso passe disso, é encaixado do lado de fora do nosso gênero. É a mesma razão que faz com que muitos relutem em considerar Almir Sater, Renato Teixeira e alguns nomes do tal gênero “regional” como cantores sertanejos, mesmo eles falando e vivendo temas ligados ao campo em seu dia a dia e na sua música.
Com relação a Luan Santana, em 2016 essa dissociação de gênero começou a ficar um pouco mais preocupante, porque parece que o próprio começou a endossar isso. Até a propaganda do disco “1977” nos intervalos da programação da Globo utiliza o termo “música romântica” ao invés de “música sertaneja”. É que o livro de regras da Rede Globo costuma não aceitar muito bem cantores auto-intitulados sertanejos e se, como no caso do Luan, não é mais possível ignorar a força e a importância de um artista, faz-se necessário que ele se coloque em um gênero neutro. Ontem mesmo falei sobre o novo disco do Daniel e mencionei justamente esse processo de transformação, pelo qual ele também passou enquanto esteve ligado a trabalhos junto à Rede Globo.
Por que estou dando tanta atenção a isso? Ora, além de eu não entender porque a música sertaneja não pode ser, afinal, um gênero pautado pela qualidade musical, é fato que o disco “1977” é, ainda que o mais pop, também o mais sertanejo do Luan até hoje. Quando Luan lançou “Dia, Lugar e Hora” como primeira música de trabalho deste projeto, ficou evidente a intenção de ser visto como algo neutro em termos de gênero. Mas mesmo boa parte das músicas trazendo elementos alheios ao sertanejo e mais ligados a outros segmentos, o disco traz características totalmente voltadas para o nosso.
Para começar, é o disco com a maior quantidade de vaneiras (talvez o mais sertanejo dos ritmos atuais) já gravadas pelo Luan em um único projeto (1/3 do disco), mesmo que “Acordando o Prédio” e “Eu, você, o mar e ela”, por exemplo, tenham arranjos mais estilizados e inusitados do que os das vaneiras tradicionais do mercado. E além da viola caipira e da linguagem bucólica na música “Amor do Interior”, o disco ainda traz como melhor canção um bolero (?!?!), a música “Fantasma”. Sem falar da bachata que fecha o disco, “Primeira Semana”. Dá pra ser mais sertanejo que isso?
Mas é óbvio que não podemos dizer que o Luan se prende a questões de gênero. Talvez resida aí a sua maior diferença com relação aos demais artistas do mercado. Ele não se preocupa com “o que o público sertanejo vai achar”. Suas ideias abrangem um leque muito maior. A própria temática desse disco, aliás, é a maior prova disso. O disco traz 6 participações femininas e, para não forçar a barra com nomes repetitivos como “Entre Elas” ou algo do gênero, Luan e a equipe escolheram um nome que remetesse ao universo feminino, mas de forma mais enigmática. 1977 é o ano da instituição do dia internacional da mulher. Daí o nome do disco. O nome acabou servindo como base, também, para todo o trabalho gráfico do projeto e para o material de vídeo utilizado na edição do DVD.
A escolha das participações também foi pautada por uma neutralidade de gênero musical. Do sertanejo, apenas Marília Mendonça. Fora ela, o disco traz ainda Ivete Sangalo – em sua terceira parceria com o Luan -,Anitta, Sandy, Ana Carolina e a atriz Camila Queiroz. O mero “sim” dito por Ana Carolina, que em outras ocasiões já chamou de “bregas” Chitãozinho & Xororó, já é uma prova do prestígio conquistado pelo Luan na música brasileira.
O romantismo é mesmo o grande mote deste disco. Até a própria interpretação do Luan, por exemplo, está mais romantizada, com a cantada mais serena nos momentos mais baixos das músicas e a explosão vocal nos momentos certos, mas sem nenhum exagero. Ele segue, aliás, evoluindo mais e mais como intérprete a cada disco.
O repertório curto permitiu ao Luan que escolhesse músicas de fato excelentes. Já mencionei que a minha preferida é “Fantasma”, com a incrível Marília Mendonça, mas a música cantada com Ana Carolina, “Plano da Meia-Noite”, que ela compôs com o Luan, o Douglas Cezar e o Dudu Borges, é de um bom gosto extremo. Diferente de tudo. Ela e “Dia, Lugar e Hora”, aliás, podem ser encaradas como os únicos momentos de fato “não-sertanejos” do disco. As canções divididas com Anitta (“RG”) e com Sandy (“Mesmo Sem Estar”) também estão entre as melhores do projeto.
Esse disco é também uma prova da capacidade do produtor Dudu Borges de entender a grandiosidade do artista com quem trabalha e entregar um trabalho digno dela. Por mais produções que ele assine a cada ano, alguns artistas que passam pelo Studio Vip costumam ser trabalhados de uma forma um pouco diferente, quando o momento de suas carreiras pede isso. Com Jorge & Mateus e Bruno & Marrone, ele se utilizou desse método. O mesmo que vem utilizando com Luan Santana e que usou no disco do Daniel, por exemplo. São artistas que não tem mais o que provar ao mercado e que, portanto, só precisam entregar os melhores trabalhos possíveis em termos de qualidade. Com Luan Santana, ao contrário dos demais, parece haver uma relação de cumplicidade ainda maior. Luan parece confiar cegamente nesse método do Dudu e, não só dá a ele toda a liberdade de trabalhar do seu próprio jeito (com os mais inusitados timbres e arranjos, sempre de extremo bom gosto), como também se permite a gravar discos com o máximo de qualidade possível sem se preocupar diretamente com o que o mercado está “querendo ouvir” ou com a cansativa e desgastante procura pelo próximo hit da carreira. O Luan cuida da parte musical como ele acha que deve cuidar, totalmente imerso. As estratégias de venda vêm depois. Praticamente o método contrário ao praticado pela grande maioria dos artistas.
Ainda que persista toda essa discussão sobre a gradativa mudança do Luan do gênero sertanejo para o romântico, tendo em vista uma intenção dos grandes veículos de mídia em transformá-lo em um futuro Roberto Carlos, Luan Santana segue sendo o melhor dos artistas possíveis. É claro que algumas de suas decisões são baseadas diretamente nesses planos futuros (como convidar a atriz Camila Queiroz para cantar uma música no DVD, com direito a beijo no final e tudo), mas é evidente que sua maior preocupação, a cada ano, é entregar o melhor trabalho que se espera de um cantor. Eu vou eternamente chamá-lo de sertanejo, independente do que queiram que a gente pense. Simplesmente porque é um orgulho pra mim saber que o nosso segmento tem no seu rol um artista assim tão impressionante. E é uma injustiça que queiram nos tirar isso.
Fonte:blognejo